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Comparação entre o sumatriptano, a trimebutina, o meloxicam e a associação dos três fármacos no tratamento agudo de enxaqueca.

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Migrânea é um transtorno primário de cefaleia episódica, caracterizada por uma combinação de alterações neurológicas, gastrintestinais e autonômicas 1. Estimativas americanas relatam que mais de 17% das mulheres e 6% dos homens sofreram pelo menos uma crise de migrânea no último ano 2. De acordo com um estudo, conduzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sobre o Peso Global das Doenças, a migrânea foi classificada entre as primeiras causas de doença que levam a incapacidade no mundo. 3.O tratamento sintomático tem como objetivo abolir ou diminuir as crises de cefaleia, assim como os sintomas associados da crise de migrânea, com menor incidência de efeitos colaterais, recorrência da dor e restauração da função normal 4,5. Os principais fármacos usados como sintomáticos são os analgésicos, antieméticos, ansiolíticos, antiinflamatórios não esteroidais (AINES), derivados do ergot, esteroides, neurolépticos e mais recentemente, os agonistas seletivos 5-HT1, os triptanos. Apesar dos triptanos terem contribuído enormemente para o alívio da crise de migrânea, muitos pacientes não obtêm resposta e alívio completo, sendo que cerca de 31% dos pacientes descontinuam o uso do triptano pela falta de eficácia, recorrência da cefaleia, custo e/ou efeitos colaterais 6-8, portanto novas propostas terapêuticas são necessárias 9.

A patofisiologia da migrânea é complexa, e está relacionada a diferentes sistemas neuroquímicos. Isto envolve pelo menos uma disfunção no sistema serotoninérgico, inflamação neurogênica, hipersensibilidade dopaminérgica. Teoricamente direcionar vários sistemas biológicos poderia ser o ideal 10-12, apesar da falta de estudos conclusivos para isto. Estudos têm demonstrado que a combinação de um triptano com um AINE é melhor em termos de eficácia e ausência de dor sustentada, comparado com o uso de um triptano isolado 13-15. Da mesma forma o uso de um fármaco gastrocinético, como a trimebutina, em associação com o rizatriptano demonstrou ser seguro e mais efetivo quando comparado com o uso isolado do rizatriptano 16, possivelmente pela ação na gastroparesia da crise de migrânea, acelerando a reabsorção do triptano. A trimebutina é um fármaco derivado opióide, com ação exclusivamente periférica nos receptores κ, μ e γ do plexo mioentérico de Auerbach e submucoso de Meissner do trato digestivo. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da combinação do sumatriptano, trimebutina e do anti-inflamatório não esteroidal meloxicam, isolados ou associados no controle da dor das crises de migrânea de moderada a forte intensidade. MÉTODO Após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foram incluídos em estudo prospectivo, duplamente encoberto e aleatório 50 pacientes do ambulatório especializados em cefaléia do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense e do Centro de Avaliação e Tratamento da Dor de Cabeça do Rio de Janeiro, sendo 43 mulheres e 7 homens, com idade entre 18 e 65 anos, com diagnóstico de migrânea com e ou sem aura de acordo com os critérios da Sociedade Internacional de Cefaléia. Todos os pacientes utilizavam medicação profilática, exceto AINES. Foram tratados para 4 crises de migrânea de moderada a forte intensidade de cada paciente, com 200mg de trimebutina, 50mg de sumatriptano, 15mg de meloxicam ou com a associação de 200mg de trimebutina, 50mg de sumatriptano e 15mg de meloxicam. Para manter a mesma aparência e permitir o estudo encoberto, os fármacos forma incluídos em cápsulas de gelatina animal com coloração branca inerte, de dióxido de titânio. Todos os pacientes receberam 4 frascos marcados um com as letra A, B, C e D, e cada frasco continha uma cápsula com trimebutina, sumatriptano, meloxicam ou a associação dos três fármacos. Os pacientes foram aleatorizados em 4 grupos de acordo com a ordem de chegada, de modo que o primeiro paciente incluído recebeu trimebutina para a primeira crise, sumatriptano para a segunda crise, meloxicam para a terceira crise e a associação entre os 3 fármacos para a quarta crise.

O segundo paciente incluído recebeu sumatriptano para a primeira crise, meloxicam para a segunda crise, a associação para a terceira crise e a trimebutina para a quarta crise, e assim sucessivamente. Da segunda até a quarta crise os pacientes foram orientados para tomar o fármaco somente após um intervalo mínimo de 2 dias. Naqueles pacientes em que após 2 horas do uso do fármaco do estudo, a dor de moderada a forte intensidade persistiu, era permitido usar 100mg de indometacina por via retal. A intensidade da crise de migrânea foi avaliada a partir da ingestão da cápsula com escala categorizada verbal na qual: 0 - sem dor, 1 - cefaléia leve, 2 - cefaléia moderada e 3 - cefaléia intensa. Cada paciente foi orientado para preencher o relatório de crise para cada crise tratada, na qual anotava a intensidade da cefaleia, a presença de náusea, fotofobia e dos efeitos adversos, e o uso da medicação de resgate. Pacientes que estavam recebendo tratamento para qualquer outra condição médica, mulheres em idade fértil que não usavam contraceptivos e aqueles que utilizaram qualquer tipo de medicação sintomática para migrânea até 6h antes, foram excluídos do estudo. Os dados foram submetidos à análise estatística pelo teste não paramétrico de X2 (Qui-quadrado) e teste não paramétrico de Friedman e adotou-se o nível de 5% de probabilidade, (p  0,05). RESULTADOS Completaram o estudo 42 pacientes, sendo 35 mulheres e 7 homens, sendo que 5 pacientes não tiveram crise em número suficiente para completar o estudo 3 abandonaram o estudo, 2 deles por receio de eventuais efeitos adversos dos fármacos em estudo. Apresentaram migrânea sem aura 32 pacientes e migrânea com e sem aura 10 pacientes. A média de idade dos pacientes que completaram o estudo foi de 34 anos. A trimebutina foi utilizada para tratar 24 crises moderadas e 18 intensas. O sumatriptano foi utilizado para tratar 18 crises moderadas e 24 intensas. O meloxicam foi utilizado para tratar 21 crises moderadas e 21 intensas e a associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam foi utilizada para tratar 19 crises moderadas e 23 intensas. A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam foi usada em 19 pacientes que apresentavam náusea, a trimebutina em 23 pacientes, o sumatriptano em 18 pacientes e o meloxicam em 19 pacientes. A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam foi usada em 22 pacientes que apresentavam fotofobia, a trimebutina em 26 pacientes, o sumatriptano em 23 pacientes e o meloxicam em 23 pacientes que apresentavam o sintoma fotofobia. A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam controlou a dor em 1 hora em 4 dos 42 pacientes estudados, a trimebutina em 6 dos 42 pacientes, o sumatriptano em 6 dos 42 pacientes e o meloxicam apenas em 1 dos 42 pacientes. (p=0,479) (Tabela 1). A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam controlou a dor em 2 horas em 9 dos 42 pacientes, a trimebutina em 5 dos 42 pacientes dos 42 pacientes, o sumatriptano em 11 dos 42 pacientes e o meloxicam apenas em 10 dos 42 pacientes. (p = 0,555) (Tabela 2). A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam diminuiu a dor para leve intensidade após 1 e 2h, respectivamente em 9 e 13 dos 42 pacientes, a trimebutina respectivamente em 6 e 10 dos 42 pacientes, o sumatriptano respectivamente em 8 e 6 dos 42 pacientes e o meloxicam respectivamente em 13 e 13 dos 42 pacientes estudados. A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam aboliu a náusea após 1 e 2h, respectivamente em 4 e 7 dos 19 pacientes que apresentaram o sintoma, a trimebutina em 5 e 8 dos 23 pacientes que apresentaram o sintoma, o sumatriptano em 2 e 6 dos 18 pacientes que apresentaram o sintoma e o meloxicam em 8 e 10 dos 19 pacientes que apresentaram o sintoma. (Tabelas 3 e 4) A associação trimebutina, sumatriptano, meloxicam aboliu a fotofobia após 1 e 2h, respectivamente em 4 e 7 dos 22 pacientes que apresentaram esse sintoma, a trimebutina em 7 e 4 dos 26 pacientes que apresentaram o sintoma, o sumatriptano em 3 e 7 dos 23 pacientes que apresentaram o sintoma e o meloxicam em 5 e 9 dos 23 pacientes que apresentaram o sintoma. (Tabelas 5 e 6) A trimebutina, o sumatriptano, o meloxicam e a associação dos três fármacos foram efetivos para eliminar a náusea e fotofobia embora não tenha sido identificada diferença estatisticamente significativa entre eles após 1 e 2h para ambas náusea (p=0,157 e p=0,587) (Tabelas 3 e 4) e fotofobia (p=0,671 e p=0,929) (Tabelas 5 e 6). Os efeitos adversos foram mais freqüentes quando os pacientes usaram a associação dos três fármacos (23,8%), seguido da trimebutina (14,3%), menor incidência foi quando usaram o sumatriptano (11,9%) e o meloxicam (11,9%), embora sem diferença estatisticamente significativa entre eles. Os efeitos adversos descritos quando os pacientes usaram a associação dos três fármacos foram dor no estômago, mal-estar, pontadas na cabeça, desconforto gástrico, tonturas, fraqueza e sonolência. Os efeitos adversos com a trimebutina foram tonturas, boca amarga, sonolência e desconforto gástrico, com o sumatriptano foram tremor, taquicardia, hipotensão, sonolência e desconforto gástrico, e com meloxicam os efeitos adversos foram disnomia (cheiro de fumaça), parestesia nas mãos, fraqueza e desconforto gástrico. Foi necessário o uso de medicação de resgate após 2 horas para 2 pacientes quando em uso da associação dos três fármacos, para 4 pacientes com a trimebutina, 1 paciente com o sumatriptano e nenhum paciente com o meloxicam, porém não houve diferença estatística entre eles. Em relação à recorrência da dor durante 24 horas, para os 9 pacientes que estavam sem dor após 2 horas do uso da associação dos três fármacos, houve a recorrência em 1 paciente, dos 5 que estavam sem dor após 2 horas do uso da trimebutina houve a recorrência em 3 pacientes, dos 11 que estavam sem dor após 2 horas do uso do sumatriptano houve a recorrência em 5 pacientes e dos 10 que estavam sem dor após 2 horas do uso do meloxicam houve a recorrência em 2 pacientes.

DISCUSSÃO Os fármacos trimebutina, sumatriptano e meloxicam, usadas em regime de monoterapia se mostraram efetivos no alívio da crise aguda de migrânea de moderada a forte intensidade. A eficácia do uso isolado de cada um desses fármacos mostrou-se equivalente quando foi usada a combinação dos três, nas mesmas doses em que foram usados quando em monoterapia. A dose de trimebutina de 400 mg foi a mesma utilizada quando foi avaliada a eficácia do fármaco em associação com o rizatriptano 16, embora nenhum estudo antes, tenha avaliado o uso deste fármaco isolado para o tratamento agudo de migrânea. A dose de sumatriptano de 50 mg foi utilizada em estudo que demonstrou sua eficácia e tolerabilidade quando comparada com as doses de 25 mg e 100 mg 17. O meloxicam na dose de 15 mg foi utilizado nos estudos que demonstram a eficácia dos AINES na crise aguda de migrânea 18-23. Foi demonstrado neste estudo equivalência da eficácia e tolerabilidade da dose de 200 mg de trimebutina e 15 mg de meloxicam usadas como monoterapia por via oral, no controle da crise aguda de migrânea, obtendo o alívio da dor após 2 horas respectivamente em 35,7% e 54,8% dos pacientes, resultado comparável ao obtido com uso do sumatriptano que possibilitou o alivio para 40,4% dos pacientes e com a associação dos 3 fármacos que aliviou a dor em 52,4% dos pacientes. Um estudo que comparou a eficácia e tolerabilidade da formulação oral do cetoprofeno com o zomitriptano demonstrou alívio da dor equivalente, entretanto com menor incidência de efeitos adversos 24. Três estudos duplamente encobertos e aleatórios que compararam os AINES diclofenaco de potássio 25 a combinação de aspirina e metoclopramida 26,27 com o sumatriptano oral, concluíram que no tratamento agudo de migrânea, os AINES são tão eficazes quanto o sumatriptano oral; entretanto melhor tolerados. A trimebutina isolada não havia sido testada em ensaios clínicos para o tratamento agudo de enxaqueca, embora a sua associação com o rizatriptano tenha tido uma eficácia maior quando comparada com o rizatriptano isolado, uma vez que 73% daqueles que utilizaram a associação estavam sem dor após 2h comparado com 31,2% dos que usaram o rizatriptano isolado 16. Neste estudo demonstrou-se que 11,9% dos pacientes quando utilizaram a trimebutina estavam sem dor após 2h, contra 26,1% dos pacientes quando em uso do sumatriptano, sugerindo uma menor eficácia embora não tenha sido encontrada uma diferença estatisticamente significativa entre esses valores. Apesar da terapia combinada com a associação de um triptano, um AINE e um gastrocinético ter sido sugerida por alguns autores 11,28, baseados principalmente nos múltiplos mecanismos fisiopatológicos da migrânea e também devido a eficácia demonstrada pela associação de um triptano com um AINE e de um triptano com um gastrocinético 12,13-15, este estudo não conseguiu demonstrar superioridade da associação trimebutina, sumatriptano e meloxicam a cada um desses fármacos quando usados isolados, em relação aos parâmetros dor e fenômenos associados á migrânea. A incidência de efeitos adversos foi maior quando os pacientes estavam em uso da associação dos três fármacos o que está de acordo com dados de estudos prévios, com a associação do rizatriptano e trimebutina 16, do sumatriptano e naproxeno de sódio 13,29 e do rizatriptano com rofecoxibe 14. O efeito adverso mais frequentemente relatado com o uso da associação foi a tontura, seguida de dor epigástrica. A terapia combinada apresentou menor porcentagem de pacientes com recorrência da dor no dia seguinte, com diferença estatisticamente significante (p<0,001) quando comparado com a trimebutina e meloxicam, porém não estatisticamente superior ao sumatriptano isolado, possivelmente pela baixa taxa de recorrência com o sumatriptano presente neste estudo, menor que a encontrada em estudos prévios que relatam uma taxa de recorrência variável entre 25% e 78% do sumatriptano, sendo que a incidência neste estudo foi de apenas 18,1%. Estudo retrospectivo com 50 pacientes que utilizaram a combinação do ácido tolfenâmico e sumatriptano demonstrou uma taxa de 23,8% de recorrência comparado com 62,5% do sumatriptano isolado 30. A comparação dos fármacos com o sumatriptano em relação a eficácia pode ser falha, pois 5 estudos aleatórios e controlados que tiveram como objetivo avaliar a eficácia e tolerabilidade oral do sumatriptano para o tratamento agudo de migrânea em adultos, demonstraram ausência de diferença significativa na dose de 50 mg, quando comparado com placebo (n=127), embora 14 estudos usando 100 mg demonstraram diferença estatisticamente significativa. Outro estudo avaliou a eficácia do sumatriptano oral nas doses de 25, 50 e 100 mg comparado com placebo e demonstrou que após 2 horas do uso do fármaco, maior número de pacientes obtive alívio da dor com o sumatriptano, embora somente a dose de 100 mg apresentou diferença estatisticamente significativa (p=0,053). Pode-se então aventar a hipótese que a dose de sumatriptano de 50 mg 31 tenha resultados comparados com o placebo e não seja parâmetro de efetividade 29 embora outros estudos mostrem o contrário 32. Este estudo tem suas limitações principalmente devido a ausência do braço placebo e a não utilização dos fármacos em sua apresentação oral original, não se pode afirmar com absoluta certeza que o processo de encapsulação não tenha alterado o perfil farmacocinético interferindo nos resultados, como se aventou em um estudo com 1138 pacientes aleatorizados, que comparou a eficácia e tolerabilidade oral do tratamento da combinação do sumatriptano de 50 mg e naproxeno de 500 mg, na crise aguda de migrânea, demonstrando baixa eficácia do sumatriptano em relação ao placebo 33. Neste estudo o meloxicam e a trimebutina usados como monoterapia apresentaram eficácia e tolerabilidade semelhante ao sumatriptano, demonstrando ser uma opção atrativa no tratamento agudo de migrânea, embora sejam necessários mais estudos com a utilização do placebo e uso dos fármacos em sua forma de apresentação original.

CONCLUSÃO Este estudo demonstrou que a associação sumatriptano, meloxicam e trimebutina não foi superior a cada um desses fármacos isolados para controlar a dor, as náuseas e a fotofobia nas crises agudas de migrânea de moderada a forte intensidade. Além disso, a combinação dos fármacos apresentou maior incidência de efeitos adversos.

Autor

Dr Rafael Higashi

Dr Rafael Higashi

Nutrólogo, Neurologista

Mestrado em medicina - neurologia no(a) uff.